1.5.09

Grande Guerra

«Podes roubar-me o pão!
A Fome, não.
A boca, sim: come, ou não come.
Porém, como roubar a inextinguível Fome?

Inextinguível, porque pede
Um pão que nos excede:
Um pão que ninguém dá
Nem tirará.

Podes furtar-me todos os proveitos,
Expropriar-me, até, dos meus direitos!
Aos ventos darei eu meus gritos e canções,
E os ventos lhes farão mil edições.

Podes calar-me com mordaças,
Tu, que és mortal... e passas.
Passas, ao passo que o meu grito
Percute ao longo do Infinito...

Podes acorrentar-me às rochas das montanhas,
Pôr abutres roendo-me as entranhas!
Como das flores espalha o pólen,
O vento espalhará o sémen do Homem...

Podes cobrir-me o nome de impropérios;
Tu, que és senhor de impérios,
Negar ao pobre o seu só bem: a fama.
Não brilha o sol na própria lama?

Podes tirar-me paz, saúde, e a própria vida.
Ai pedra sepulcral assaz fendida!
Que ao Cristo lhas tiraram.
Perderam-se e O ressuscitaram.

Podes, às minhas cinzas, recobri-las
De terra e pedras; difundi-las
Pelos desertos sem oásis!
Não sabes que é mortal tudo que fazes?

És sempre o mesmo, tu, cujas raízes supremas
São mordaças, grilhões, vendas, algemas.
Mártir, rebelde, poeta, - também eu
Sou sempre o mesmo Um que não morreu.

Porquê? Porque ao morrer, dos céus,
Lhe diz o próprio Deus:
"Filho, vem até mim!
A História principia onde eles põem: fim".»
José Régio, A Chaga do Lado

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